domingo, 4 de janeiro de 2015

Classicismo: Os Lusíadas


Luís Vaz de Camões escreveu Os Lusíadas, epopeia publicada em 1572 que perpetua a história medieval do povo português e tem como herói Vasco da Gama (simbolizando o povo) e sua rota para a Índia.

Além da epopeia dedicada ao rei D. Sebastião, Camões é autor de uma vasta obra lírica na qual se encontram sonetos, canções e redondilhas, chegando mesmo a existir três comédia sob sua autoria.

Nascido entre 1524 e 1525, Camões participou numa expedição militar ao norte da África entre 1549 e 1551, onde sofreu um acidente pelo qual é conhecido: a perda do olho direito. Ao voltar a Lisboa, se mete numa briga e é mandada em 1553 à Índia, a pedido do rei, a fim de obter perdão completo. No regresso, sofreu um naufrágio em que só conseguiu salvar o manuscrito de Os Lusíadas. Em 1570, é encontrado pelos amigos em Moçambique, vivendo uma vida de miséria e apenas regressa a Portugal pela boa vontade dos amigos. Lá retornou à sua vida na miséria e morreu no dia 10 de junho de 1580.



Epopeia é uma narrativa estruturada em verso (poema longo) que narra, através de uma linguagem cuidada, os efeitos grandiosos de um herói, com interesse para a toda humanidade. Neste contexto, não é de estranhar que a epopeia passe a ser considerada como a expressão mais alta da poesia, é a exaltação do Homem, uma das facetas do Humanismo.

Camões se espelhou em A Ilíada e A Odisseia, de Homero, e a Eneida, de Virgílio. Porém, a inspiração nos clássicos não se limita à imitação, mas na competição com estas, procurando rivalizá-las e superá-las, exaltando Portugal através de um sentimento heroico ufanista.

Quanto à estrutura externa, as  1.102 estrofes estão distribuídas por 10 Cantos. O número de estrofes por canto varia de 87, no Canto VII, a 156 no Canto X. As estrofes têm todas oito versos (oitavas) e o esquema rítmico é ABABCC (oitava-rima). Os versos são decassílabos (dez sílabas poéticas) com predomínio do decassílabo heroico (sílabas tônicas na 6ª e 10ª sílabas).


Quanto à estrutura interna, Os Lusíadas segue o modelo das epopeias greco-latinas e está dividido em quatro partes:

  • Proposição: Camões anuncia o que vai cantar (exaltar), é uma síntese daquilo que o poeta se propõe fazer.  (Canto I, estrofes 1-3);
Exemplo:  
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

  • Invocação: Pedido de ajuda à divindades inspiradas como à Tágides, por exemplo. Nestas estrofes, Camões dirige-se às Tágides, as ninfas do Tejo, pedindo-lhes que o ajudem a cantar os feitos dos portugueses de uma forma sublime (Canto I, estrofes 4-5);
Exemplo:

E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente
Se sempre, em verso humilde, celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado
Um estilo grandíloco e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene.

  • Dedicatória: Oferecimento do poema a uma divindade importante, no caso de Os Lusíadas o narrador elogia o rei, mostrando-lhe o quão grande é o seu império, desde o Oriente até ao Ocidente. Percebam que: vós = D. Sebastião; Maravilha fatal da nossa idade = elogio; (Canto I, estrofes 6-8)
Exemplo:
E vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade,
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Pera do mundo a Deus dar parte grande.

  • Narração: Parte que constitui o corpo da epopeia. Os fatos são narrados cem ênfase nas peripécias do herói e nos acontecimentos históricos. É a parte mais ampla. Em Os Lusíadas, é a viagem de Vasco da Gama em direção à Índias. A narração de Os Lusíadas compreende três ações principais: a viagem de Vasco da Gama às Índias, a narrativa da história de Portugal e as lutas e intervenções dos deuses do Olimpo, com pequenas interrupções.


  • Epílogo: São as doze últimas estrofes do poema. Contrastando com o tom vibrante e ufanista do início, o tom agora é de pessimismo, desencanto e de crítica à decadência do país e aos portugueses de seu tempo, esquecidos dos valores nacionais. É uma clara premonição da derrocada de Portugal, submetido em 1580 ao domínio espanhol. (Canto X, estrofes 145-156)

Exemplo:

Não mais, Musa, não mais que a Lira tenho 
Destemperada e a voz enrouquecida, 
E não do canto, mas de ver que venho 
Cantar a gente surda e endurecida. 
O favor com que mais se acende o engenho 
Não no dá a pátria, não, que está metida 
No gosto da cobiça e na rudeza 
Duma austera, apagada e vil tristeza.


Alguns episódios merecem destaque, são eles:

  • Inês de Castro (Canto III, estrofes 118 a 135)Trata-se da história do amor proibido de Inês, dama de companhia da rainha, pelo príncipe dom Pedro. Ao saber do envolvimento do príncipe com ela, o rei dom Afonso manda executar a moça. Revoltado, dom Pedro inicia uma vingança sangrenta e coroa o cadáver de Inês, que foi “rainha depois de morta”.


Passada esta tão próspera vitória, 
Tornado Afonso à Lusitana Terra, 
A se lograr da paz com tanta glória 
Quanta soube ganhar na dura guerra, 
O caso triste e dino da memória, 
Que do sepulcro os homens desenterra, 
Aconteceu da mísera e mesquinha 
Que despois de ser morta foi Rainha.

  • O Velho de Restelo (Canto IV, estrofes 90 a 104): Na praia de Restelo, um velho profere um discurso poderoso contra as empresas marítimas de Portugal, que ele considera uma ofensa aos princípios cristãos, uma vez que a busca de fama e glória em terras distantes contraria a vida de privações pregada pela doutrina católica. O velho é a voz dos conservadores em Portugal.

"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!"

  • Gigante Adamastor (Canto V, estrofes 37 a 60): Ele aparece quando Vasco da Gama e sua tripulação se dirigem ao Cabo das Tormentas, personificado pela figura de Adamastor. Esse gigante da mitologia grega se apaixonara pela ninfa Tétis, que o rejeitara. Peleu, o marido de Tétis, transformou-o então o gigante em pedra. A figura do gigante é simbólica, pois muitos navios naufragavam na região do Cabo das Tormentas.

Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

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