O Arcadismo surge como uma reação ao Barroco e propunha uma literatura mais simples e objetiva, com base na razão e nas ideias do Iluminismo. Arcadismo deriva de Arcádia, região grega onde, segundo a mitologia, viviam poetas e pastores. O Arcadismo português foi iniciado em 1756, quando se fundou a Arcádia Lusitana, espécie de academia que tinha como objetivo combater o Barroco e seus exageros.
O Arcadismo é também chamado de Neoclassicismo, pois defende a retomada da arte greco-romana, considerada modelo de equilíbrio, clareza e proporção. A arte foi defendida como imitação da natureza e influenciada pelo Iluminismo no sentido de transformá-la em arte intelectualizada e racional, que enfatizava o progresso social dentro de uma forte moldura ética. Foram décadas marcadas pelo avanço da Ciência e dos ideais iluministas.
Em Portugal, o Marquês de Pombal tornava-se secretário do Estado, efetivando reformas naquele país. As campanhas napoleônicas no Egito (1798-1799) recolheram bens artísticos e arqueológicos, ocorreram reformas universitárias e a Primeira Revolução Industrial, que culminou no despovoamento do campo, o que fez com que os neoclássicos valorizassem ao máximo a vida campesina, natural e simples, com um sentimento de mal-estar frente ao artificialismo da civilização e das novas cidades. Em 1749, Montesquieu publicava O espírito das leis, propondo a divisão dos três poderes e desconstruindo o absolutismo. Em 1751, Diderot publicava Enciclopédia, obra que reunia todo o conhecimento de forma mais democrática e acessível; em 1759 Voltaire divulgava Cândido e em 1762, Rousseau lançava O Contrato Social. Estes ideais influenciaram o movimento de independência dos EUA em 1776, a Revolução Liberal em Portugal e a Revolução Francesa, que marcou o início da Idade Moderna.
A seguir, as principais características:
- Mimese: A arte entendida como cópia da natureza.
- Valorização do equilíbrio e da harmonia, é a volta dos valores clássicos, do belo.
- Mitologia greco-romana.
- Pastoralismo: O poeta finge-se pastor (cada um escolhia seu pseudônimo pastoril).
- Bucolismo: Valorização do campo como lugar ideal para se viver; vida simples e de pureza; idealização do amor e da vida.
- Simplicidade como reação aos exageros barrocos.
- Detrimento de valores materiais.
- Na poesia, a presença de uma musa inspiradora (mais comumente Marília).
- Vocabulário simples, frase na ordem direta, ausência de figuras de linguagem e manutenção do verso decassílabo.
- Na pintura, as figuras pareciam fazer parte de uma encenação teatral; destaque para a técnica da perspectiva e da perfeição, sendo os corpos esculturais e proporcionais. Dedicou-se à representação de figuras mitológicas e celebração de feitos históricos e de Napoleão.
Além das características árcades, existem cinco lemas (preceitos) que devem ser seguidos:
- Fugere urbem (fugir das cidades): Preferência ao campo e à natureza, abandono do resto. Os versos a seguir são de Bocage:
Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folgas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurrando gira:
Que alegre campo! Que manhã tão clara!
- Inutilia truncat (cortar os excessos, o que é inútil): Optar pelo simples, pela objetividade, ir direto ao ponto e deixar de lados os exageros patrocinados pelo Barroco. Os versos a seguir são de Alvarenga Peixoto:
Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.
- Locus Amoenus (lugar agradável): Exaltação dos valores do campo. Os versos a seguir são de Tomás Antônio Gonzaga:
Irás a divertir-te na floresta,
sustentada, Marília, no meu braço;
aqui descansarei a quente sesta,
dormindo um leve sono em teu regaço;
enquanto a luta jogam os pastores,
e emparelhados correm nas campinas,
touca rei teus cabelos de boninas,
nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!
sustentada, Marília, no meu braço;
aqui descansarei a quente sesta,
dormindo um leve sono em teu regaço;
enquanto a luta jogam os pastores,
e emparelhados correm nas campinas,
touca rei teus cabelos de boninas,
nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!
- Aurea Mediocritas (dinheiro só deve comprar o essencial): Só a simplicidade de uma vida sem abusos e excessos pode fazer o ser humano integralmente feliz. Novamente versos de Tomás Antônio Gonzaga:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
- Carpe Diem (Aproveite o dia): O mais famoso lema, aproveite intensamente a existência, pois tudo um dia acaba, o mundo é transitório. Este lema tem origem nos poemas do escritor latino Horácio (65-27 a.C.):
Sê prudente, começa a apurar teu vinho,
e nesse curto espaço
Abrevia as remotas expectativas.
Mesmo enquanto falamos, o tempo,
Malvado, nos escapa: aproveita o dia de hoje,
e não te fies no amanhã.
Manuel Maria Barbosa du Bocage é o maior expoente português do Arcadismo, tendo nascido em 1765 na cidade de Setúbal. Aos dez anos, Bocage perdeu a mãe e pouco depois, aos catorze, fugiu de casa e se alistou no exército e teve tempo suficiente para se envolver com mulheres e amores escandalosos. Foi preso várias vezes a partir de 1897, acusado de heresia, ideais republicanos (condenável em tempos de absolutismo) e acusado de incentivar a degradação moral por causa de seus poemas satíricos. Enquanto detido, traduzia filósofos e poetas. Após ser libertado, teve breve passagem por um convento, ocasião de conversão e mudanças de atitude. Aos quarenta anos, morreu de aneurisma.
Sua obra está dividida em três vertentes:
- Produção árcade: Poemas que elevam a natureza e a vida simples. Locus amoenus, Fugere urbem e Carpe diem aparecem largamente, assim como elementos mitológicos e a estrutura do soneto.
O ledo passarinho, que gorjeia
D'alma exprimindo a cândida ternura,
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia:
O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da aurora alegre e pura,
A rosa, que entre os zéfiros ondeia;
A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glorias que consigo,
A deusa das paixões, e de Cítera:
Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera,
Nada se pode comparar contigo.
D'alma exprimindo a cândida ternura,
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia:
O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da aurora alegre e pura,
A rosa, que entre os zéfiros ondeia;
A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glorias que consigo,
A deusa das paixões, e de Cítera:
Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera,
Nada se pode comparar contigo.
- Produção satírica: Bocage usa linguagem baixa e chula para criticar as autoridades de sua época.
Nariz, nariz, e nariz,
Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba,
Fará o mundo infeliz;
Nariz, que Newton não quis
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!
Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba,
Fará o mundo infeliz;
Nariz, que Newton não quis
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!
- Produção pré-romântica: A sensação de morte próxima, as dificuldades financeiras e a ausência de amigos deram um contorno pré-romântico à sua produção. Há lamento e desesperança, o locus amoenus do tom arcádico é substituído pelo locus horrendus (lugar horrível, feio e escuro).
Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:
No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e ouco,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:
Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta!
Ah! não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.
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